20.4.23

Tannin

The first sip of a good Bordeaux tastes like a low-light evening. It is warm and smoky, with a firm-soft texture of an upholstered sofa in the background, the weight of the lamp, and the indirect yellow light. It's a film noir in green-neon-vertigo-Hitchcock. The wine's aroma and the clothes' texture are complementary as if they were made to be experienced together. As you bring the glass closer to your lips for the second sip, you can feel the softness of my palms against the glass and the slight tension of my fingers as they grip the stem. The taste of the wine is bitter-sweet, with a metallic hint that lingers on my tongue. It's yours to taste. Close your eyes and listen to my voice as it softly whispers in your ear, like the gentle, almond-like breath of a calm breeze. I gaze into your pupils, smiling slowly and delicately, drawing your attention (and mouth) towards me. I see your fingerprints fluttering nervously, but the hormonal tannins in the wine are in convulsion and don't seem to find me.

The third sip unbuttons your coat, messes up your hair, and unzips your pants; my fingers run through your hair, over your glass, revealing you awkwardly, and you pretend to smile. You swallow it as if my skin were liquid.

You have me in the palm of your own hand.

Pretend the words don't make sense anymore, hide the smile in the motives, undo the tie, sit on a soft, delicate spot like I want to. Pretend it's velvet, my skin is within your reach, and I'm a delicate shell that opens slowly and gently before your eyes. Don't grip anything. Caress your imagination and drink the fourth sip because I already took you by the hand and left you with nothing else to write... 

30.8.22

Foice


Foi dar-se
sem face.
Deformou-se.
E ao cair,
torceu-se
até firmar-se certa.

Fosse só faca
(mas era foice).
Fosse só força
(mas era farsa).
Desfez-se como se pudesse
despedaçar-se.
Ingênua, como mata fosse
(a desmatar-se).

Foi dar-se tola
Como quem não lembrasse
Do que forca, torta,
(oca)
ou desesperar-se.
Feriu, falou, fugiu
(seu)
meu crescente azul
no teu minguante anil-
amanhecesse.

Foi sentir-se louca 
e a rir-se, foice
já sem perceber-se.
Dessa foz que foi-se,
Foi tece-descendo,
teu açu-descendo
no teu rio-corte.
Esse mar d'água doce,
ele fóssil (e eu nem fácil):
"faz-te te falta, amor,
as mãos e pés e a noite
por que quem te trouxe
fez-te amor em falso".

Meu tecido-tesão-de-seda,
teu embrulho-razão-de-sarja.
Por quem quer que eu te seja
meu desejo te farda
Esse botão que te acorda, amor
(concorda)
Mas não passa
duma foda mal dada.

E os retalhos-sorrisos
onde te encontro
na superfície áspera
da lembrança.
Qu'eu-nunca foice
nada mais que desfaça
tua esperança.

Foi-se posse e massa
Na pressa regra-do-impasse.
Dos meus dois desejos, peço
nada mais
que esses dois pedaços:
um que é doce, riso e forte,
e o outro, agudo e raso.

Mas se ele já-deus-e
à foice 
(quem sabe?)
não é mais meu próprio caso.
É porque quem for-te 
e se ele adeus-se certa,
meu controle é morte
(curto)
teu ou meu fracasso.

30.9.16

Silence is so accurate

Blue, Green and Brown, 1952 (Rothko) 
"You may call it still painting, because in fact there is an absence of gesture, or activity or angst on the canvas. (...) In Rothko's paintings you have three or four zones of different thin washed layers of color, all interacting with each other in a subtle way - not like bold contrasts, but instead, of almost swimming into each other, to get your eyes and your brain working optically to almost immerse your consciousness in these fields that Rothko has created.

The mystery of the whole thing is actually appropriate to Rothko's goals. He's wanting to make a picture that advertises its own mystery, its solitary quality, its introspective quality. It's a quality that he felt was reflecting his own state while painting. I think it's a quality he wanted to inspire his viewers who were in the space of his paintings.

There is definitely a spiritual side to what Rothko was doing. It's not at all an ironic art, or a kind of calculated, clever, sort of tactical art. In fact, one of the quotations of Rothko that is repeated often is 'silence is so accurate'. What he was really doing was extolling the power of an abstract language to say so much more than words could do.

In fact the action of the painting - if there is action - is distributed equally from top to bottom, and from side to side. And there is no way you can complete your experience of that picture without letting your eye wander, or even, your body wander all over the surface of that canvas."

Ann Temkin
(The Marie-Josée and Henry Kravis Chief Curator of Painting and Sculpture, MOMA)

1.9.16

wait

The dog waits for me by my feet, while I ramble about what to write, in between a bite or two at the german bread while I contemplate on the next feeling. It must be infuriating for him to wait for someone while they find meanings and words, and you're desperate to fulfill such basic needs. How maddening it must be to wait the whole day for someone and dream about the time in which the person will arrive, and then wait a little more while this bastard decides whether she wants to take you out for a walk. What a drag it must be for a creature to digest (anything, food or feelings) in this uncertainty. If he does not love me, I understand why. But he remains by my feet, patiently waiting for me, looking in awe to my eyes. I wish I could understand his loyalty, because it has been such a long time since I gave up believing my door will ever open again.

There is pee in this floor, and you know it.

21.6.15

Ó temas

A gente chegou no karaoke-koreano quase meia hora depois: "Sorry, you lost your reservation". Eu até tentei disfarçar a decepção, mas a verdade é que já tinha passado a tarde inteira cantando Roxette, Janis Joplin e Lana del Rey (tá, tá eu já sei...) assim que meu lado Madonna-papa-don't-preach já tinha sido exercido, mas eu tava ali de sombra azul no olho, vestido arrastando pelo chão-chuva, meio diva, meio Rosana. Impossível não querer um Queen ou Bette Carvalho. Alcione! Bora?
Desistimos.
Sentamos nesses lounges de neon horrorosos, as coreanas todas de pulserinha de neon pra combinar (por quê? me pergunto curiosa, sem fazer muita menção para não parecer preconceito. Mas por quê pulseirinha de neon?)
 "Something to drink, miss?"
Aquela olhadela no menu, quinto dia de antibiótico, minha abstinência tava com hora pra acabar (a outra tinha acabado de tarde mesmo), então, por que esperar mais um dia, não é mesmo?
"A Zinfandel, please" - olhei pro lado e disse pra Ela baixinho: "pra dar sorte", e pisquei um olhinho pra ver se Ela entendia, mas riu sem saber. Ela sempre ri. Foram poucas as minhas piadas sem graça (meu terceiro mestrado foi em piada sem graça, tirei até diploma), foram poucas de que Ela não riu. Coisa linda aquele sorriso. Mas aí veio o vinho e pra Ela, uma margarita meio aneonsada (até o drink vem de pulseirinha de neon) e a outra amiga rindo horrores chupando coca-cola com o canudinho (pra fazer passar a embriaguês). Já veio assim - não podíamos fazer nada senão acompanhá-la.
Tocou Backstreet Boys versão bossa nova mas demoramos uns bons 40 segundos para descobrir. Ficamos fazendo ouvidinho de princesa, achando que era alguma música do Balão Mágico (memória). De onde se tirou a ideia de Back Street Boys versão lounge? Não! Esse não era mais o karaoke, estávamos num lounge metido à besta (Midtown Manhattan, onde as saias encurtam e os cabelos esticam). Por quê? Essa era a segunda pergunta-hipotética que eu me fazia na noite correndo o risco de parecer chata.

Bem, depois da divagação toda, entramos num loop sobre o papel da bebida na solidão. E como as três não tavam nem sóbrias nem sozinhas, decidimos ir lá pro pub-cool-bacaninha com quatrocentas opções de cerveja e sotaque. Mas sentamos mesmo foi na poltrona-do-papai dos fundos e quase chapamos:
"Sabe, a bebida é um meio de eu não obedecer meus próprios planos (são tantos!), uma forma de não estar sempre pensando no controle"- disse a Outra.
"O problema é saber quando parar. Semana passada, por exemplo, saí quase 1 da manhã da tua [minha] casa e ainda passei na bodega pra comprar uma Brooklyn Lager" - disse Ela.
E eu, que não tinha ainda chegado ao ponto de pedir para roubarem a taça pra levar pra casa, apenas fiz uma pontuação cruel "O álcool me faz companhia, me traz alguém de volta. É meio cruel, mas é mecanismo de cooperação. Toda vez que eu bebo bourbon, tem um cadinho disso ali."

Eu sei que nalgum momento o rapazinho trouxe mais três, uma IPA (frutada), uma belga quase lá-chegando-de-boa. Ela ficou com uma, eu com a a belga e a Outra pediu uma pilser depois de voltar do banheiro. Pediu comida, mas achou que a salsicha era linguiça. E além de tudo era branca. Não gostou e me deu. Eu adoro linguiça e salsicha, branca, vermelha, pode mandar. Ela disse que não curtia tanto linguiça mas ia dividir comigo (achei meio erótico, mas não era, eu que tenho a mente meio pernóstica demais). Rachamos de rir dizendo "chalchicha". Eu confesso, meu sonho era ver meu cachorro falar "chalchicha". No paraíso os cachorros tinham que falar, de preferência, com voz de desenho animado. Eu e ela sempre fazemos a voz de nossos respectivos cachorros, uma conversa meio psicodélica (não devia tá contando isso aqui, mas a gente já tá com intimidade pra você saber dalguns lados menos glamourosos de minha pessoa).

Todas muito à vontade, quase sono, quase uma discussão sobre os rumos do país sentadas na poltrona-do-papai (que bossa, que coisa burguesia-folclórica). Seguimos na aleatoriedade:
"Meu, não fumo há uma semana por que não consigo abrir a bosta do cigarro eletrônico pra carregar".
"Dá isso aqui, dá. Pronto"
"Wow, que forte, mano."
"Porra"
"Tira a porra da boca, caralho."
"Cariocas"- ela disse, zoando as duas.
"Meu, eScroto só tem sentido pra carioca. A gente fala 'zoado'. 'Zoado' é o 'eScroto' do paulista".
A outra falou: "eXcroto", mas daí saiu de novo pro banheiro. Eu repeti.
"Só assim pra você não passar por mineira" - Ela disse.

Pedimos mais uma white, wit, witte, whatever, e o lounge do pub-cool-bacaninha já tava apinhado de gringo comportado cheio de gel no cabelo e más intenções no Tinder. Mas a gente já tinha comido chalchicha e não tinha mais karaoke, ia ser pra rua mesmo.

Saímos, e o Império-Estado-Prédio (dizia-me bêbado meu corretor automático pelo whatsapp) imerso em neblina (uma coisa meio filme do batman meio seriado de zumbi), e as duas moças altas do meu lado cantando. Ela e a Outra eram Chrysler e Empire State, e eu não passava da estátua da liberdade lá longe. Cantamos New York, New York, tropeçando naquelas partes menos óbvias (aquelas que a legenda do karaoke ajuda), mas foi divertido assim mesmo. Cantamos na chuva sem Fred Astaire e Ginger Rogers por que távamos mais pra show de drag queen.
Ó-temas.

Cheguei em casa quase uma hora depois (porra de metrô de merda que não funciona depois da meia noite, vou te contar) e olhei pra garrafa de bourbon na sala, mas eu fui mesmo é dormir.
Elas já tinham me mandado uma mensagem de texto dizendo que tinham chegado bem em casa (apesar de terem passado da estação).

Sonhei que meu cachorro me dizia que tava com problemas de alcoolismo.
Era a saudade.