A gente chegou no karaoke-koreano quase meia hora depois: "Sorry, you lost your reservation". Eu até tentei disfarçar a decepção, mas a verdade é que já tinha passado a tarde inteira cantando Roxette, Janis Joplin e Lana del Rey (tá, tá eu já sei...) assim que meu lado Madonna-papa-don't-preach já tinha sido exercido, mas eu tava ali de sombra azul no olho, vestido arrastando pelo chão-chuva, meio diva, meio Rosana. Impossível não querer um Queen ou Bette Carvalho. Alcione! Bora?
Desistimos.
Sentamos nesses lounges de neon horrorosos, as coreanas todas de pulserinha de neon pra combinar (por quê? me pergunto curiosa, sem fazer muita menção para não parecer preconceito. Mas por quê pulseirinha de neon?)
"Something to drink, miss?"
Aquela olhadela no menu, quinto dia de antibiótico, minha abstinência tava com hora pra acabar (a outra tinha acabado de tarde mesmo), então, por que esperar mais um dia, não é mesmo?
"A Zinfandel, please" - olhei pro lado e disse pra Ela baixinho: "pra dar sorte", e pisquei um olhinho pra ver se Ela entendia, mas riu sem saber. Ela sempre ri. Foram poucas as minhas piadas sem graça (meu terceiro mestrado foi em piada sem graça, tirei até diploma), foram poucas de que Ela não riu. Coisa linda aquele sorriso. Mas aí veio o vinho e pra Ela, uma margarita meio aneonsada (até o drink vem de pulseirinha de neon) e a outra amiga rindo horrores chupando coca-cola com o canudinho (pra fazer passar a embriaguês). Já veio assim - não podíamos fazer nada senão acompanhá-la.
Tocou Backstreet Boys versão bossa nova mas demoramos uns bons 40 segundos para descobrir. Ficamos fazendo ouvidinho de princesa, achando que era alguma música do Balão Mágico (memória). De onde se tirou a ideia de Back Street Boys versão lounge? Não! Esse não era mais o karaoke, estávamos num lounge metido à besta (Midtown Manhattan, onde as saias encurtam e os cabelos esticam). Por quê? Essa era a segunda pergunta-hipotética que eu me fazia na noite correndo o risco de parecer chata.
Bem, depois da divagação toda, entramos num loop sobre o papel da bebida na solidão. E como as três não tavam nem sóbrias nem sozinhas, decidimos ir lá pro pub-cool-bacaninha com quatrocentas opções de cerveja e sotaque. Mas sentamos mesmo foi na poltrona-do-papai dos fundos e quase chapamos:
"Sabe, a bebida é um meio de eu não obedecer meus próprios planos (são tantos!), uma forma de não estar sempre pensando no controle"- disse a Outra.
"O problema é saber quando parar. Semana passada, por exemplo, saí quase 1 da manhã da tua [minha] casa e ainda passei na bodega pra comprar uma Brooklyn Lager" - disse Ela.
E eu, que não tinha ainda chegado ao ponto de pedir para roubarem a taça pra levar pra casa, apenas fiz uma pontuação cruel "O álcool me faz companhia, me traz alguém de volta. É meio cruel, mas é mecanismo de cooperação. Toda vez que eu bebo bourbon, tem um cadinho disso ali."
Eu sei que nalgum momento o rapazinho trouxe mais três, uma IPA (frutada), uma belga quase lá-chegando-de-boa. Ela ficou com uma, eu com a a belga e a Outra pediu uma pilser depois de voltar do banheiro. Pediu comida, mas achou que a salsicha era linguiça. E além de tudo era branca. Não gostou e me deu. Eu adoro linguiça e salsicha, branca, vermelha, pode mandar. Ela disse que não curtia tanto linguiça mas ia dividir comigo (achei meio erótico, mas não era, eu que tenho a mente meio pernóstica demais). Rachamos de rir dizendo "chalchicha". Eu confesso, meu sonho era ver meu cachorro falar "chalchicha". No paraíso os cachorros tinham que falar, de preferência, com voz de desenho animado. Eu e ela sempre fazemos a voz de nossos respectivos cachorros, uma conversa meio psicodélica (não devia tá contando isso aqui, mas a gente já tá com intimidade pra você saber dalguns lados menos glamourosos de minha pessoa).
Todas muito à vontade, quase sono, quase uma discussão sobre os rumos do país sentadas na poltrona-do-papai (que bossa, que coisa burguesia-folclórica). Seguimos na aleatoriedade:
"Meu, não fumo há uma semana por que não consigo abrir a bosta do cigarro eletrônico pra carregar".
"Dá isso aqui, dá. Pronto"
"Wow, que forte, mano."
"Porra"
"Tira a porra da boca, caralho."
"Cariocas"- ela disse, zoando as duas.
"Meu, eScroto só tem sentido pra carioca. A gente fala 'zoado'. 'Zoado' é o 'eScroto' do paulista".
A outra falou: "eXcroto", mas daí saiu de novo pro banheiro. Eu repeti.
"Só assim pra você não passar por mineira" - Ela disse.
Pedimos mais uma white, wit, witte, whatever, e o lounge do pub-cool-bacaninha já tava apinhado de gringo comportado cheio de gel no cabelo e más intenções no Tinder. Mas a gente já tinha comido chalchicha e não tinha mais karaoke, ia ser pra rua mesmo.
Saímos, e o Império-Estado-Prédio (dizia-me bêbado meu corretor automático pelo whatsapp) imerso em neblina (uma coisa meio filme do batman meio seriado de zumbi), e as duas moças altas do meu lado cantando. Ela e a Outra eram Chrysler e Empire State, e eu não passava da estátua da liberdade lá longe. Cantamos New York, New York, tropeçando naquelas partes menos óbvias (aquelas que a legenda do karaoke ajuda), mas foi divertido assim mesmo. Cantamos na chuva sem Fred Astaire e Ginger Rogers por que távamos mais pra show de drag queen.
Ó-temas.
Cheguei em casa quase uma hora depois (porra de metrô de merda que não funciona depois da meia noite, vou te contar) e olhei pra garrafa de bourbon na sala, mas eu fui mesmo é dormir.
Elas já tinham me mandado uma mensagem de texto dizendo que tinham chegado bem em casa (apesar de terem passado da estação).
Sonhei que meu cachorro me dizia que tava com problemas de alcoolismo.
Era a saudade.